Resenha da Internet – Sexta, 29/5/98
Vamos salvar a Telebrás?
O governo já não consegue esconder que a privatização
das telecomunicações
entrou em crise. O período pré-eleitoral oferece uma
oportunidade inédita
para debater o tema. Que estamos esperando para fazê-lo?
Presidente
do Sindicato dos Trabalhadores em Pesquisa, Ciência e Tecnologia
(Sintpq) de Campinas (SP), o engenheiro Antonio Albuquerque não
satisfaz a expectativa de quem queira encontrar-se com um agitador
sindical. Introspectivo, voz baixa, óculos de grau e colete, Antonio
lembra mais um professor de Física do colégio – e a séde do Sintpq
não deixa de parecer um pouco com um centro de estudos. O visitante
entra na pequena casa térrea e depara com uma grande estante,
onde estão as publicações mais atuais sobre política e tecnologia
de telecomunicações. Os três computadores exibem, como proteção
de tela, frases atribuídas a Paulo Freire e a Jean-Paul Sartre
(“O importante não é o que fizeram com o Homem, mas o que ele
faz do que foi feito dele”). Você fica ainda mais surpreso quando
Antonio se apresenta, o conduz à sala de reuniões e inicia a conversa
com uma frase dita com convicção comovente: “Pode ter certeza.
Nós vamos salvar a Telebrás”.
Há
vários meses, Antonio transformou-se num pregador incansável desta
tese. Ajuda a organizar a batalha jurídica que está demonstrando
a ilegalidade da privatização. Em busca de seguidores, entrevista-se
com os principais dirigentes dos partidos de esquerda. Freqüenta
reuniões da Executiva da CUT. Escreve assiduamente artigos que
oferece a quem os publique. Quem o julga visionário fez a aposta
errada. Esta semana, a privatização da Telebrás entrou em crise.
Mesmo
protegido pela “grande” imprensa, cujos interesses na venda da
estatal são bem mais que ideológicos, o governo já não é capaz
de ocultar as dificuldades. Ontem, o ministro das Comunicações,
Luiz Carlos Mendonça de Barros, anunciou o primeiro adiamento
do leilão: de 15 para 29 de julho. Não há a mínima garantia de
que mesmo esta data possa ser cumprida. A privatização do sistema
de telecomunicações do Brasil é essencialmente um negócio financeiro,
e complicou-se porque os mercados mundiais de capitais especulativos
entraram outra vez em turbulência. Há dias, fracassou a venda
de uma das principais empresas petrolíferas da Rússia. A fixação
do preço mínimo da Telebrás tem sido sucessivamente adiada, ao
que parece para atender aos humores dos interessados na compra
(há alguns meses, o ex-ministro Sérgio Motta falava em 30 bilhões
de dólares; ontem o vice-presidente do BNDES, José Pio Borges
apostou num valor entre US$ 12 e 16 bi: a metade...). O
governo só insiste no leilão, numa conjuntura tão desfavorável,
porque enxerga nele uma chance de empurrar a crise do Real para
depois das eleições.
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O governo já não é capaz de ocultar as dificuldades.
Os mercados de capitais entraram em turbulência, e a
privatização
da Telebrás é, essencialmente, um “negócio financeiro”
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O
engenheiro Antonio Albuquerque não é um especialista em mercados
financeiros. A batalha que ele e os demais integrantes da Federação
dos Trabalhadores em Telecomunicações (a Fittel) estão travando
apóia-se num amplo exame sobre o futuro do setor que comandará
o crescimento da economia no próximo século -- e na idéia de que
os interesses estratégicos do Brasil são mais importantes que
a reeleição do presidente FHC. Os estudos da Fittel e de Antonio
demonstram que:
1.
A revolução tecnológica
que está sacudindo as telecomunicações em todo o mundo faz o diabo:
encurta distâncias, derruba preços, globaliza a produção e estimula
parcerias internacionais – mas não levou nenhum país que
preze sua soberania a abrir mão de operadoras nacionais
como a NTT japonsea, a France Telecom, a Deutsche Telecom, a Telecom
Itália, British Telecom e a Telebrás.
2.
Ao promover o desmembramento
do Sistema Telebrás, o governo brasileiro facilita a ação dos
compradores, mas condena o país a ser ator subalterno no processo
de globalização das comunicações. Para ganhar escala e fazer frente
aos investimentos vultososíssimos que as novas tecnologias impõem,
as principais operadoras de telecomunicação estão partindo para
fusões e associações. Sétima maior operadora do planeta (exceto
EUA), a Telebrás está capacitada a participar desse jogo. Fatiado
em doze pedaços, como prevê o projeto do governo, o sistema brasileiro
de telecomunicações perderá a força, consistência e identidade.
Cada parte será só um braço de uma grande companhia internacional.
3.
Empenhado em realizar
uma privatização às pressas e a qualquer custo, o governo FHC
passou a desrespeitar a própria Lei Geral das Telecomunicações
(LGT), já insuficiente, que a maioria governista aprovou como
parte do processo de desmonte da Telebrás. Além de terem permitido
que grupos estrangeiros assumam o controle de até 100% das partes
que resultarão da cisão da estatal, os privatizadores fizeram
inúmeras outras concessões aos compradores. No processo em curso,
não estão assegurados sequer os requisitos de universalização
dos serviços, preservação dos avanços tecnológicos e garantia
de concorrência previstos pela LGT.
4.
A privatização não viola
apenas os interesses estratégicos do país. É péssimo negócio também
do ponto de vista contábil. Mais de 80% das ações da Telebrás
estão em mãos de particulares. Têm ampla procura nas bolsas de
valores do Brasil e do exterior, às quais é possível recorrer
quando for preciso captar recursos para novos investimentos. O
Estado brasileiro desfruta de uma posição privilegiada. Mesmo
mobilizando menos de 20% do capital, controla 50% das ações com
direito a voto – e por isso dirige a empresa. Ao se dispor
a entregar esta posição, o governo revela a pequenez da privatização,
e o caráter devastador da política econômica que aplica: os cerca
de 15 bilhões de dólares arrecadados com a eventual venda da Telebrás
seriam consumidos em cinco meses de rolagem da dívida interna.
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A maré baixa do governo e o adiamento do leilão criaram
uma oportunidade rara. Lula poderia, por exemplo,
criar um fato político e desafiar FHC para um debate
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5. Criada
por um Estado dominado pelas elites e corrompido pelo fisiologismo,
a Telebrás é uma empresa contraditória. Promoveu, entre 1972 e
o final dos anos 80, um esforço de difusão e modernização das
comunicações que não teve paralelo, no período, em nenhum outro
país do mundo. Mais tarde, foi submetida a uma sangria financeira
que bloqueou sua capacidade de investir, interrompeu a introdução
de novos serviços e reduziu sua eficiência. Seu Centro de Pesquisa
e Desenvolvimento (o CPqD) alcançou um grau de desenvolvimento
tecnológico e uma capacidade de inovação reconhecidos internacionalmente
e comparáveis aos das melhores operadoras. Sua administração ainda
é suscetível a influências nefastas, como bem demonstra o loteamento
das presidências das telefônicas estaduais entre os partidos aliados
ao governo FHC.
Os
dirigentes da Fittel não desconhecem estas contradições, nem querem
escondê-las da opinião pública. Eles acham que ao invés de entregar
a Telebrás, o Brasil deve mudá-la. Têm um projeto para isso, batizado
de Brasil Telecom. Querem uma empresa capaz de acompanhar
a terceira revolução tecnológica, voltada para tornar seus benefícios
acessíveis ao conjunto da população, aberta a parcerias internacionais,
gerida por um conselho com forte participação da sociedade civil.
Não
surpreende que a imprensa esconda da sociedade este projeto, nem
que tente apresentar a venda da estatal como consenso nacional.
A novas turbulências nos mercados financeiros, a conjuntura de
instabilidade vivida pelo governo FHC e o início do período eleitoral,
porém, criaram uma chance rara. As forças de oposição estão em
condições de reabrir o debate sobre a privatização.
Há
várias maneiras de fazê-lo. Eis uma delas. Lula, hoje o candidato
em melhores condições de polarizar com Fernando Henrique, criaria
um fato político importante se anunciasse que, eleito, promoverá
de imediato uma auditoria sobre a eventual venda da empresa. Ele
ouviu por mais de duas horas o engenheiro Antonio Albuquerque.
Sabe que por trás desta privatização particular estão duas saídas
opostas para a crise brasileira. Tem plenas condições de desafiar
FHC para um debate sobre o tema, e de se apresentar como representante
de uma esquerda que tem projeto.
É
evidente que a iniciativa implicaria em riscos, mas as boas batalhas
são exatamente aquelas cujo resultado não se sabe de antemão.
Pior será, se, podendo agir, deixarmos passar a oportunidade de
lutar pela Telebrás. Pode dar a impressão de que não estamos preparados
para mudar o Brasil. Autêntica aula sobre as telecomunicações
no Brasil e no mundo, a entrevista completa com Antonio Albuquerque
sai na próxima semana.
É
possível
Não
se deve esperar dos meios de comunicação que divulguem estes dados
– mas da esquerda, sim!
Novidades
-- governo
se
completa e a impressão Ao chegar à sede do Sindicato dos Trabalhadores
em Pesquisa Ciência e Tecnologia (Sintpq) de Campinas (SP), ninguém
pensa Localizada numa casa modesta, no bairro classe média do
Cambuí, a sede do Sindicato dos Trabalhadores em Pesquisa, Ciência
e Tecnologia (Sintpq) de Campinas (SP) nem parece pouco com
...