LGT - LEI GERAL DE TELECOMUNICAÇÕES
LGT, a inconstitucionalidade com marca registrada
A Lei Geral de Telecomunicações - lei 9.472/97 - reflete
o desprezo do governo FHC, e em especial do Ministério das Comunicações,
pela Constituição de 1988. Para mudar as regras do jogo no setor,
para transformar bens públicos em ativos a serem transferidos à
iniciativa privada, para fazer concessões aos futuros exploradores
dos serviços sem comprometê-los com as chamadas salvaguardas sociais,
etc. o governo FHC não hesitou em editar um texto que fere sistematicamente
a Constituição em pontos essenciais.
Esse desrespeito à Constituição executado sem qualquer
cuidado ou sutileza - foi dissecado pelo advogado Gaspar Vianna,
consultor jurídico da Federação Interestadual dos Trabalhadores
em Telecomunicações - Fittel. Para se ter uma idéia da gravidade
de algumas das irregularidades praticadas, basta dar uma olhada
no que é apresentado a seguir.
COMPETÊNCIA DA UNIÃO
Constituição de 1988 a União pode explorar diretamente os serviços
de telecomunicações ou atuar indiretamente delegando-os a terceiros.
Pela lei 9.472 (artigo I) a União deve se limitar apenas a "organizar
sua exploração". Isso significa que o titular do direito deve sempre
delegá-lo a terceiros. Ora, tal absurdo corresponde a algo como
proibir a um proprietário de imóvel residencial que nele fixe seu
próprio domicílio, obrigando-o a alugá-lo a quem manifestar interesse.
ÓRGÃO REGULADOR
A Constituição estabelece que a regulação do setor de telecomunicações
deve ser feita por um órgão independente. A LGT procura caracterizar
(em seu artigo 9) a Anatel como uma autoridade administrativa independente.
Trata-se, porém, de algo para inglês ver. Em vários de seus artigos
a lei transforma a agência em mero apêndice da vontade do Poder
Executivo.
Basta dizer que quem instala a Anatel é o Poder Executivo
e quem aprova seu regulamento é o presidente da República. Este,
além disse, fixa a estrutura organizacional, escolhe c, nomeia os
membros dos conselhos diretor e consultivo, afasta os membros desses
conselhos e nomeia o presidente do Conselho Diretor e o Ouvidor.
Moral da história: se tudo na Anatel depende do presidente
da República, é óbvio que quem dará as cartas na Agência será o
presidente da República.
FUNDO DE FISCALIZAÇÃO
O artigo 47 da LGT estabelece que o produto da arrecadação das taxas
de fiscalização, de instalação e de funcionamento dos serviços de
telecomunicações será destinado ao Fundo de Fiscalização das Telecomunicações
- Fistel.
Tal destinação é, para dizer o mínimo, surpreendente.
O Fistel foi extinto em 5 de outubro de 1990 e não há como "ressucitá-lo"
num passe de mágica, através da LGT. Para que o Fistel ressurgisse
das cinzas seria necessária a aprovação de uma Lei Complementar.
E mais: os recursos formalmente destinados ao Fistel
serão desviados para o Tesouro Nacional ou para o Fundo de Universalização.
Para a fiscalização das telecomunicações sobrará muito pouco.
NATUREZA JURÍDICA DOS SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES
No Brasil os serviços de telecomunicações têm a natureza jurídica
de serviço público, devido à disposição constitucional.
A Constituição admite, de acordo com emenda aprovada
em 1995, que empresas sob controle acionário privado poderão explorar
uma rede pública de telecomunicações de âmbito nacional. Mas, ao
executarem tal exploração, estarão agindo em nome da União.
Logo, perante a Constituição brasileira não existem
serviços privados de telecomunicações. Curiosamente, porém, a lei
9.472 estabelece em seu artigo 63 que "quanto ao regime jurídico
de sua prestação, os serviços de telecomunicações classificam-se
em públicos e privados". E complementa o desrespeito à Constituição
ao determinar no artigo 126 que "a exploração de serviço de telecomunicações
no regime privado será baseado nos princípios constitucionais da
atividade econômica".
Para completar o desmonte do texto constitucional
o artigo 18 da LGT permite que um serviço de telecomunicações deixe
de ser prestado em regime público e passe, por decreto, para o regime
privado. As obrigações assumidas no momento da licitação somem num
passe de mágica, perdendo vigência as cláusulas contratuais que
estabeleciam obrigações específicas ao regime público.
ORGANIZAÇÃO DOS SERVIÇOS
A LGT não dá nome aos serviços, não os define segundo o grau de
importância, não faz a distribuição de competências estabelecendo
qual o tipo de outorga (concessão, permissão ou autorização) cabível
em cada caso. Neste conjunto de (in)definições está por incrível
que pareça, a essência do modelo futuro das telecomunicações brasileiras.
Nofundo,o que a LGT deixa claro é que tudo acabará
ficando ao arbítrio do Poder Executivo...
POLÍTICA TARIFÁRIA
A LGT "declarou" inaplicável ao setor de telecomunicações a lei
geral que dispõe sobre a política tarifária. Ao mesmo tempo, porém,
a LGT não estabelece sequer os princípios gerais de uma política
tarifária específica para os serviços de telecomunicações.
Como serão, então, reajustadas e revistas as tarifas?
Pelo artigo 108 toma-se conhecimento que tudo licará por conta dos
contratos de concessão. lyata-se de uma determinação realmente espantosa.
Em vez da lei (ato normativo de alcance geral) a política tarifária
ficará àmercê de um contrato de concessao, que nao passa de um ato
bilateral de alcance particular, que sequer terá publicidade. Ou
seja, teremos uma política tarifária estabelecida caso a caso.
Como incompetência (ou má fé?) pouca é bobagem, a
lei fala em "justa remuneração", mas não estabelece nenhum critério
por mais superficial que seja para a composição da tarifa.
AUTORIZAÇÃO
Finalmente, mais uma pérola da LGT: o conceito de autorização. A
outorga dos serviços de telecomunicações se dará através da autorização.
E esta será considerada um ato administrativo definitivo, não sujeito
a termo final e que se extingue somente por cassação, caducidade,
decaimento, renúncia ou anulação.
Caso uma determinada autorização se mostre incompatível
com o interesse público, a Anatel poderá decretar seu decaimento.
Mas esse "decaimento" implicará no reconhecimento do direito da
prestadora de serviço "manter suas próprias atividades regulares
por prazo mínimo de cinco anos"(artigo 141).
Parece piada, mas não é...
Os (duvidosos) planos do Ministro
Sérgio Motta
O ministro Sérgio Motta já deixou claro como o governo pretende
implementar a Lei Geral de Telecomunicações. O espaçoso titular
da pasta das comunicações definiu a estrutura burocrático-organizacional
da Anatel, encerrou a polêmica sobre o número de empresas que serão
formadas a partir do Sistema Telebrás (três regionais, 9 da banda
A e a Embratel), confirmou que a privatização será ampla, geral
e quase irrestrita (o quase fica por conta da telefonia fixa cabeada)
e estabeleceu o cronograma exato da privatização - a ser concluída
até julho de 1998. Uma avaliação sumária do que o ministro andou
divulgando já é suficiente para deixar qualquer cidadão decente
com os cabelos em pé.
ANATEL
O ministro procurou caracterizar o órgão regulador do setor de telecomunicações
como uma entidade burocrática, desprovida de conteúdo político.
trata-se de uma grosseira mistificação,
de uma colossal impostura. Afinal de contas, se a Anatel
não tem poder algum, por que o ministro Sérgio Motta moveu mundos
e fundos para transformar a Anatel num antro da tucanagem, longe
das garras afiadas dos seus parceiros, falcões do PFL?
De acordo com o ministro, a Anatel não teria papel
algum no embate sobre o futuro das telecomunicações e ficaria completamente
ausente quando entrassem em cena debates sobre programas nos campos
social, político e científico-tecnológico ou a respeito de estratégias
nacionais para lidar com as tecnologias da informação.
Esta versão "assexuada" da Anatel é evidentemente
uma piada de mau gosto. Afinal de contas, a agência contará com
comitês estratégicos que tratarão de "universalização", "competição",
"direitos do consumidor" e "desconcentração". Estes são, obviamente,
temas políticos.
PLANOS DE OUTORGAS
O Plano de Outorgas tem um vício de origem: resultará de um decreto
presidencial, como manda a velha e indeseavel prática autoritária
do Minicom. E mais: questões ditas técnicas serão remetidas aos
contratos de concessão referentes a cada outorga, ou sejá, às "negociações
de balcão" entre a Anatel e as empresas interessadas.
SERVIÇOS PÚBLICOS E UNIVERSAIS
Quem temia o pior, desde que a LGT começou a ser analisada, viu
seus temores confirmados. Todos os serviços de telecomunicações,
exceto a telefonia fixa cabeada, serão considerados daqui em diante
serviços prestados em regime privado.
O Minicon contraria assim a tendência internacional
recente, ao ignorar que é a necessidade sócio-econômica do atendimento
que define a natureza universal de um serviço e não critérios meramente
técnicos (e tecnocráticos).
Diversas modalidades de atendimento podem ser classificadas
como “serviços universais”- rede interativa de suporte
ao sistema público de ensino, telefonia residencial em bairros pobres,
etc. - e não tem sentido definir previamente que meio técnico será
objeto de universalização para toda e qualquer situação. Como admitir,
então, que serviços públicos e universais terão como veículo obrigatoriamente
a telefonia fixa cabeada?
Além disso, fica evidente o fato de que as operadoras
em regime privado estão desobrigadas de um amplo conjunto de regras
e normas próprias da prestação pública e que receberão “autorizações”
(concessões) ad eternum.
FATIAMENTO DA TELEBRÁS
O fatiamento foi feito com uma espécie de perversa precisão cirúrgica.
A Telesp ficou separada do resto do país e as demais “teles”
acabaram agrupadas em dois blocos de empresas: Centro-Sul e Norte-Nordeste-Leste.
O principal objetivo desse fatiamento é óbvio: garantir
aos futuros controladores da Telesp (e do mercado do estado de São
Paulo) e da Embratel que não terão que arcar com o ônus de custear
as operações deficitárias do Norte e Nordeste.
São Paulo poderá praticar uma espécie de apartheid
em relação ao resto do país. Os lucros da Telesp permanecerão em
São Paulo. Exceto, é claro, a parcela que "vazará" para o exterior
como remuneração do sócio estrangeiro.
Pode-se supor, diante disso, que a Telemig e a Telerj
terão que bancar o atendimento do Norte e Nordeste e caberá à Telebrasilia
e à Telepar responder pelo Centro Oeste, Acre e Rondônia. Terão
essas empresas fôlego para enfrentar o desafio, em especial após
serem despojdas de seus lucrativos departamentos de telefonia celular?
Ou é possível desde já prever que amplas regiões pobres e interioranas
do Brasil ficarão sem acesso aos serviços de telecomunicações? Para
elas a universalização não se transformará apenas num sonho impossível?
O que aconteceu com a banda B da telefonia celular na região Norte,
que não interessou a nenhum consórcio privado, já é um exemplo gritante
do que poderá ocorrer em diversas áreas do interior.
FATIAMENTO DOS LUCROS
É ilusório imaginar que as megateles, privatizadas, atenderão às
regiões mais pobres, os mercados menos atraentes. Elas enfrentarão
sérios problemas com o ingresso em número ilimitado", pelo que se
pode depreender dos planos oficiais, de concorrentes em seus nichos
de mercado mais atraentes tão logo tenham sido privatizadas. Lutar
por esses nichos de mercado será, é claro, sua prioridade.
Diante disso e da previsível estratégia de maximização
dos lucros, como imaginar que as mega-teles universalizarão os serviços
e atenderão às regiões mais pobres?
EMBRATEL
Num primeiro momento a posição do futuro controlador da Embratel
será muito cômoda. A empresa vai operar as comunicações entre as
mega-teles e as comunicações internacionais. Um nicho de mercado
lucrativo e de dimensões consideráveis. Além disso, a Embratel se
livrará do atendimento obrigatório à Amazônia, poderá renegociar
contratos gravosos (como os de transmissão de sinais de televisão),
etc.
A Embratel é uma empresa que por sua lucratividade,
padrão tecnológico e dimensão nacional da rede poderia se tornar
uma competidora temível para as mega-teles. Poderia até ocupar um
lugar empresarialmente estratégico no Mercosul. Mas, em termos globais,
a Embratel é muito pequena. Logo, suas
vantagens seriam apropriadas pelo operador estrangeiro que a incorporar,
fazendo dela um mero departamento sulamericano.
HOLDINGS VIRTUAIS
Para operar a transição, o Minicom criou as chamadas "holdings virtuais".
Traduzindo: estruturas informais, sem legalidade ou legitimidade
administrativa, que ficarão encarregadas de determinar as tarefas
de diretores, executivos e gerentes encarregados do fatiamento e
privatização da Telebrás.
Marca registrada da postura altoritária de um governo,
que parece disposto a transformar em virtuais também os valores
democráticos, as holdings virtuais se aproveitarão da postura covarde
dos que tendo poderes legais na Telebrás farão questão de obedecer
a chefes fantasmas.
Pelo perfil do governo FHC, não é difícil imaginar
que tais estruturas paralelas de poder servirão também para atender
aos pedidos de compensação dos afilhados politicos que tiverem seus
interesses afetados pelo processo de fatiamento e privatização.
Holdings virtuais têm a vantagern de possibilitar
tais acertos sem passar recibo e deixar rastros...
COMPARTILHAMENTO DE ATIVOS
Compartilhar ativos (centrais, prédios, satélites, cabos, etc.)
é uma tarefa complexa, em especial num sistema imbricado como o
de telecomunicações, e envolve van tagens competitivas do ponto
de vista técnico e econômico.
Apesar da complexidade e envolvida, o governo quer
que todas as negociações estejam encerradas em dois ou três meses
de modo a concluir o processo de privatização em seis meses. Tal
"meta" só será atingida se o governo aprovar planos de outorga sem
consultar ninguém, se comprar lealdades no Congresso Nacional, se
desrespeitar regras mínimas do jogo democrático, etc.
MOBILIZAÇÃO DA SOCIEDADE
Diante de tantas barbaridades legais,
diante de tantas inconstitucionalidades, vamos lutar na justiça
para que as leis sejam respeitadas, para que a Constituição de 1988
não se transforme em letra morta. A batalha não pode, porém, se
limitar aos tribunais. Para vencê-la e mudar radicalmente a política
nacional de telecomunicações, é essencial mobilizar os trabalhadores
do setor e a sociedade em geral. E o ano eleitoral é especialmente
adequado para colocar o tema na berlinda - provocando um debate
que o governo tenta abafar, com a cumplicidade,- da mídia.
EXPEDIENTE: Este boletim é de responsabilidade
da diretoria colegiada da AEBT/RJ. Av. Presidente Vargas,
962 - conj. 812/13 - Rio de Janeiro, RJ - Tel/fax: (021) 233-6365
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